sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Tiro nas costas - por José Ernani de Almeida. Mestre em História, professor da Faplan

"Tiro nas costas", esta foi a manchete que o Nacional estampou na edição de 6 de fevereiro de 1979, a exatamente 30 anos, para expressar toda a indignação dos passo-fundenses diante do assassinato do jovem Clodoaldo Teixeira, que havia sido morto por um policial militar no dia anterior, ao cometer uma simples infração de trânsito. O acontecimento ganhou repercussão nacional com a presença de repórteres de várias partes do país. No jornal O Nacional destacou-se a cobertura comandada pelo jornalista Tarso de Castro, que estava em Passo Fundo. Tarso era na época um dos expoentes da imprensa nacional e também um dos jornalistas mais visados pelo regime militar, em função de ser um dos fundadores do jornal O Pasquim, do Rio de Janeiro, que ao longo da ditadura se notabilizou por enfrentar a mesma e criticá-la com destemor. A morte do rapaz provocou verdadeira comoção na cidade. Seu enterro foi acompanhado por aproximadamente dez mil pessoas. Após o sepultamento, no dia 6, a população passou a se manifestar contra a Brigada Militar. Uma viatura foi incendiada na praça Marechal Floriano. Na frente do CPA/3, na avenida Brasil, houve um confronto entre os policiais militares e os manifestantes, resultando na morte de Adão Faustino, de 19 anos, e em ferimentos em Joceli Joaquim Macedo, de 17 anos, que viria a morrer dias depois. Foi preciso a intervenção do Exército para apaziguar os ânimos e devolver a tranquilidade e a ordem à cidade. Na verdade, como lembra Múcio de Castro Filho, em depoimento que colhi para elaboração de minha dissertação de mestrado sobre "O denuncismo e censura nos meios de comunicação de Passo Fundo no período 1964/1978", depois transformada em livro, "a morte do motoqueiro foi uma espécie de grito de liberdade. Nunca se viu em momento algum as Forças Armadas acuadas por uma imprensa que perdeu o medo e partiu para o pau. Na verdade, a morte daquele menino foi uma espécie de estopim de todo o processo de repressão a que o povo estava submetido. O papel da imprensa foi fundamental. O Tarso comandou as quatro edições de O Nacional sobre o tema com vendas incríveis. Outro fato inusitado, lembra Múcio, foi o de que não tivemos nenhuma censura". O jornalista Ivaldino Tasca participou da cobertura daqueles acontecimentos de fevereiro de 1979: "Ali, curiosamente, não houve censura. Trabalhamos livres. O Tarso estava aí e foi ele que fez a manchete. Não houve censura. Foi um fato tão maluco matar o garoto. Depois mais dois garotos. Foi algo tão grave que não deu para as autoridades se preocuparem com o jornal. No enterro dele houve o episódio das motos, que ensurdeceram a cidade. Houve uma tentativa de invadir o quartel da Brigada Militar. Se o Exército não viesse para a rua, o quartel seria invadido. A população se combinou. Muitos foram em casa buscar uma arma. Viam-se as pessoas indo e voltando com arma na mão. O que aconteceu não foi por causa da repressão que existia, porque haviam acontecido fatos mais graves. Mas havia um componente que ligava o clima existente no país. Inconscientemente havia. Tinha o componente, sim, da opressão, a farda, o ato muito dramático, para não dizer covarde. As coisas acumuladas transbordaram. A maneira como o comando da Brigada se manifestou a respeito agravou a situação".



É preciso lembrar que na época o país vivia o processo da abertura política "lenta, gradual e segura" que havia sido iniciada pelo governo Geisel. O AI-5 havia sido revogado em 1º.de janeiro de 1979, mas os resquícios da violência que havia caracterizado o regime militar continuavam. A morte dos três jovens comoveu a cidade. A crítica à ação desastrada dos militares da BM foi unânime. Dessa feita, os grupos políticos locais estavam alinhados na condenação da repressão, que fora cultivada ao longo dos anos do regime militar e que, em muitas ocasiões, foi justificada e defendida como meio de proteger o país da ameaça comunista e subversiva. A manifestação da população foi espontânea, exigindo justiça e surpreendendo as autoridades locais. Sobre esse tipo de evento Michel Foucault ensina: "(...) as massas, quando reconhecem em alguém um inimigo, quando decidem castigar esse inimigo - ou reeducá-lo - não se referem a um ideia universal abstrata de justiça, referem-se somente à sua própria experiência, a dos danos que sofreram, da maneira como foram lesadas, como foram oprimidas. Enfim, a decisão delas não é decisão de autoridade, quer dizer, elas não se apoiam em um aparelho de Estado que tem a capacidade de impor decisões. Elas executam pura e simplesmente". Foi o que aconteceu em Passo Fundo em 6 fevereiro de 1979.

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